segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Capítulo 2 - parte 1

Capítulo 2 – Apaixonar-se



Volto aos tempos atuais. Vejo que estou na mesma situação de antes. Não há nada do meu lado, nada que me faça querer viver mais. A única coisa que tenho na minha frente é uma arma. Mas eu não tenho certeza se é isso que eu realmente quero. Porque além de me matar, vou matar outro ser dentro de mim, que nunca fez nada a ninguém, quer apenas viver.
Levanto violentamente. Empurro a mesa e a cadeira sem querer, começo a por minhas mãos na cabeça e a gritar:
— Por quê?! Por que comigo?!
Volto à cozinha. Me encosto na parede, já com tontura. Precisava de um apoio. Olho para a pia, vejo que esqueci de guardar os saches de chá. Vou até eles, pego um, sinto o doce aroma de camomila, e lembro-me mais uma vez do passado.
Pra mim foi uma estranha sensação que senti ao conversar com aquele menino. Fui caminhando e pensando no motivo de sentir tudo aquilo ao encostar em sua mão. Desci até a funerária, e lá passei o resto do dia. Não contei sobre o garoto para meu irmão, nem para minha mãe. Meu irmão não iria entender, e minha mãe estava com outros problemas.
Após um dia cansativo, chegamos em casa, comemos um lanche e fomos deitar. Deitei em minha cama, apaguei a luz e fiquei olhando para o teto. Não sei o motivo, mas desde aquele dia, comecei a ficar olhando para o teto. Sempre que podia.
Não preciso nem falar que fiquei pensando no Rafael. Ó belo ser humano, um exemplo, tão gracioso, tão delicado, tão doce e tão querido. Eu não sabia o que sentia, realmente não sabia, era uma confusão de sensações. Quando me lembrava das conversas, e de quando encostei em sua mão, eu me arrepiava, me dava uma sensação inexplicável no coração, um aperto. Mesmo num dia triste, eu estava com vontade de sair rodopiando na chuva. Meus pensamentos foram atrapalhados por meu irmão que abriu delicadamente a porta:
— Manuela, está dormindo?
— Não.
— Posso dormir com você de novo? – perguntou. Mesmo no escuro, imaginei a carinha fofa que ele estava fazendo
— Não. – respondi seca. O real motivo de eu não querer meu irmão comigo, era que eu queria ficar pensando no Rafael, e sorrir novamente, e repetir toda a conversa, sem ninguém por perto para tirar sarro.
— Por quê? – perguntou
— Porque... Porque hoje não, Noah! – respondi
Ele fechou a porta. Pela primeira vez, fui grossa com uma pessoa por causa de outro. Senti que estava aprendendo a ser adolescente.
Fiquei sozinha no escuro, e dessa vez não tinha medo nenhum, nada me assombrava. De repente, do nada, pensei no meu pai e comecei a chorar do mesmo jeito de sempre: quietamente. Após alguns minutos, me entreguei ao cansaço, fechei meus olhos e dormi.
Acordei no outro dia com um raio de Sol no meu rosto. Abri meus olhos e vi que tinha deixado a persiana do quarto aberta. Era segunda-feira e era dia letivo. Me levantei, coloquei minhas pantufas de abelha e fui até a cozinha.
Minha mãe já estava acordada. Vi uma cena que nunca irei esquecer: ela sentada na cadeira e com um copo de café nas mãos, com seu típico chinelinho de pano, olhava para o nada, simplesmente pasma. A persiana também estava aberta e toda a claridade entrava naquela triste cozinha. Mamãe, que nunca suportou claridade em seus olhos, não estava nem ligando, acho que nem estava ali:
— Oi mãe. – eu disse atrapalhando todos os seus pensamentos
— Oi Manuela. – respondeu. Seus olhos viraram para o relógio. – Por que acordou tão cedo?
— Eu tenho aula. – respondi.
— Seu pai morreu e você vai pra aula? – perguntou calmamente
Ás vezes fico pensando no que minha mãe via na frente dela. Sua filha quase adolescente, com os cabelos loiros, olhos claros, baixa, com um pijama de ursinho e pantufas de abelha. Não sei o porquê, mas isso deve ter significado algo pra ela, que eu ainda era uma criança, e provavelmente ela queria que eu ficasse daquele jeito para sempre.
— Tem razão. Ficarei com você. – respondi docemente
Ela não respondeu, apenas sorriu. Fui em direção do armário, peguei um leite e achocolatado, fiz, e me sentei em sua frente:
— Mãe, se eu te contar uma coisa, você não ficará brava? – perguntei.
— O que é? – perguntou ela, sem prestar muita atenção.
— Eu sei que eu não devia falar, mas é que como sempre tivemos uma boa relação, acho nada mais justo que te contar.
— Fale logo. – disse minha mãe, já perdendo a paciência
Para poupar-lhe de ficar lendo toda a história novamente, digo que contei tudo para minha mãe, a conversa, as sensações que tive e exatamente todos os detalhes daquele menino incrível que eu tinha conhecido.
— Você sentiu uma atração. – disse ela calmamente.
— Como assim? – perguntei.
— O que você sentiu por ele foi uma atração. É muito comum isso. – ela me respondeu, olhando em meus olhos.
— Eu sei o que é atração, mas não foi isso que eu senti por ele. Não! De jeito nenhum! – falei aumentando meu tom de voz.
— Você abaixe esse tom de voz comigo! – dissse gritando.
Tivemos um silêncio de 15 minutos:
— Tá bom, confesso que senti sim uma atraçãozinha por ele. Satisfeita? – perguntei.
— Eu disse. – me respondeu com uma deliciosa gargalhada.
Ao ouvir sua gargalhada, comecei a rir também. Foi um momento tão bom entre mãe e filha. Logo, meu irmão apareceu na cozinha. Eu achei que iria acabar a sintonia entre nós duas, pelo contrário, aumentou mais nosso momento familiar:
— Ei Noah! Você viu que sua irmã está namorando? – gritou minha mãe, morrendo de rir.
— Não! Não quero que ela namore! – gritava mais ainda Noah.
— Mas eu não estou namorando! Ele nem daqui é! Como isso seria possível? – comecei a rir muito.
Eu já tinha visto várias vezes em filmes e novelas essa tal de “atração” que um ser do sexo masculino sentia pelo feminino e vice-versa. Mas eu nunca tinha passado por aquilo. Nunca tinha segurado na mão de ninguém, muito menos beijado alguém. Confesso que no começo eu ficava com medo, porque aos 12 anos percebi que estava me tornando uma adolescente, e uma bem atrasada diga-se por passagem, porque muitas das minhas amigas já tinham tido sua experiência de primeiro beijo e essas coisas.
Passaram-se uns dois dias. Só então decidi ir pra escola. Achei que já estava psicologicamente preparada para encontrar meus amigos e deixar minha mãe sozinha.
Chegando lá, dei de cara com os mesmos amigos, que me abraçaram, me consolaram e me fizeram sorrir. Eu já nem me lembro mais do que fiz naquelas aulas, a única coisa que me lembro foi que decidi contar sobre o tal menino que eu tinha conhecido. Na verdade, eu queria saber sobre a tal “atração”.
Lembro-me que a professora nos mandou fazer uma atividade de matemática em dupla, e resolvi chamar minha amiga Fernanda para formar dupla comigo. Começamos a resolver os exercícios, até que resolvi quebrar o silêncio que nos atormentava:
— Fernanda, você já sentiu alguma atração por alguém?
— Do que você está falando? – perguntou ela, com uma expressão de assustada
— Ah, sei lá! Você já sentiu um aperto no coração, o sangue correr frio nas veias, e...
— Já. – ela me respondeu sem ao menos me deixar terminar a frase. – Por que me pergunta isso?
— Não, por nada. Só queria saber. É porque nunca senti isso. – menti. Realmente menti.
— Ah sei. Então como você descreveu perfeitamente tudo o que a pessoa sente? – perguntou.
— Eu não descrevi perfeitamente. Você me interrompeu! – briguei.
— Vejo isso em seus olhos. Que estão muito brilhantes para quem perdeu o pai. – disse ela sem pensar
— Poxa Fernanda! Assim ofende! E sim, eu conheci alguém ok? Falei. Satisfeita? – perguntei já me irritando
Ela soltou uma escandalosa gargalhada:
— Sim, estou satisfeita.
Sorri.
— Ficarei mais satisfeita se você me contar toda essa história
E pra lhe poupar novamente, não irei repetir a história. Só digo que Fernanda riu muito. Ela parecia tão mais experiente, tão mais entendida e era um mês mais nova. Depois de contar toda a história, resolvi perguntar:
— Sou muito atrasada?
— Como assim? – perguntou, novamente com a expressão de assustada.
— Eu vejo todas as meninas com meninos por aí. Sou atrasada? – perguntei com medo da resposta.
— Sim, você é. – me respondeu sinceramente.
Cheguei a ficar pasma com toda sua sinceridade, mas no fundo, eu não ligava muito.
Depois da conversa, não tocamos mais no assunto, simplesmente voltamos a fazer as atividades, e o resto da manhã foi normal.
O doce cheiro de camomila me acalma. Fico sentindo aquele cheiro maravilhoso por alguns minutos. O cheiro me lembra tudo aquilo que já passei, as fases, alegrias e dificuldades.
Começo a andar pela cozinha, calmamente, olhando aquele piso branco que briguei com Rafael para que fosse de outra cor. Era muito difícil para limpar e ficava todo encardido. Mas como ele geralmente fazia tudo o que eu pedia, eu fiz uma vontade dele no dia de escolher. Sim, casamento no começo é a coisa mais linda do mundo.
Não tinha certeza se eu realmente queria fazer aquilo, tirar a minha vida. Sempre fui uma pessoa tão religiosa e sabia que fazer isso seria um tremendo pecado. Mas eu não tinha escolha.
Sento numa cadeira, onde costumávamos almoçar e jantar. Sempre que podíamos, fazíamos as refeições principais juntos. Mas o que realmente tínhamos que fazer juntos, era tomar o chá ás 5 horas. Era sagrado para ambos.
Começo a lembrar das conversas sobre trabalhos que tínhamos na hora do almoço. Ele me contava sobre seus colegas de profissão, e eu contava sobre os meus. Ele trabalhava num hospital, e pretendia fazer uma especialização. Eu estava estudando para ser diplomata, já tinha passado no concurso, só faltava fazer o curso para ser uma.
Encosto minha cabeça na mesa e começo a olhar pro nada. Bem do jeito que minha mãe fazia. Mas na minha cabeça vinha muitas lembranças.
Pulemos alguns anos. Não tantos. Uns 2 anos. Eu já tinha esquecido a existência do Rafael. Algumas vezes me lembrava dele, mas já não sentia aquela tal “atração”.
Comecei a me interessar por outros meninos, o que era totalmente normal, afinal, eu tinha 14 anos. O problema era que eu sempre tinha aquelas paixões platônicas, onde o menino nunca sabia quem eu era, embora estudasse no mesmo colégio.
Uma dessas paixões platônicas foi por um ser humano chamado Aury. Seu nome já me chamava atenção, que significava “Brilhante”. Hoje vejo que esse significado era um tanto gay.
Não era bem paixão, não era amor, era simplesmente um pequeno interesse, mas convencer meus amigos não foi fácil. Lembro-me do dia que, em sala de aula, estava conversando com meu amigo Fabiano:
— Ei, o que você acha do Aury? – perguntei.
— Qual? O que está no 2º ano do Ensino Médio? – me respondeu com outra pergunta.
— Esse. – respondi, toda sorridente.
— Opa! Tá me estranhando? Não acho nada. Não tenho que achar. – disse ele, estranhando muito aquela conversa.
— Ah tá. Obrigada. – falei desapontada.
— Por que está me perguntando isso? – perguntou ele.
— Se eu te contar, você jura que não conta pra ninguém? – perguntei, insegura.
— Juro que não conto. – disse ele, fingindo ter os olhos mais sinceros do mundo.
Fiquei mais insegura. Conhecia bem aquele olhar. Não sabia se realmente podia confiar nele. O fato era que eu o conhecia bem pouco, tinha acabado de conhecê-lo.
— Eu gosto dele. – falei. Alto e baixo rápido e devagar, tudo ao mesmo tempo. Meu coração acelerava, mas não pela atração e sim pelo nervoso de contar um segredo a alguém.
Fabiano ficou indiferente. Não disse nada. Simplesmente virou-se e continuou a fazer o que estava fazendo. Imagino que sua expressão era diabólica, daquelas que iria aprontar alguma coisa. Guardei pra mim e deixei estar.
No dia seguinte, quando cheguei na escola, percebi que algumas pessoas do 2º ano estavam olhando pra mim e debochando da minha cara. Vi a Fernanda de longe, e sai correndo berrando seu nome:
— Cortei relações com você, sua sem-vergonha! – disse ela
— O quê? Por quê? O que eu fiz? – perguntei desesperada
— Poxa, sou sua amiga faz anos, e você não me contou sobre o Aury. – disse ela. Parecia estar muito irritada.
— Aury? Como assim? Quem te falou isso? – comecei a perguntar desesperadamente.
— Não sei. Só sei que essa novidade se espalhou pela escola. – respondeu, ainda muito irritada.
— Fabiano desgraçado! – gritei.
— O quê? – perguntou Fernanda, já não entendendo muita coisa.
— Eu comentei com o Fabiano ontem, que eu gostava do Aury, mas sei lá, não é paixão nem nada. Aquele filho da mãe me paga! – gritei mais alto.
— Opa! Vai bater nele? Deixa que eu ajudo. – disse Fernanda, com o humor um pouco melhor.
Fernanda era uma menina de personalidade muito forte, e eu já via isso nela há anos atrás.
— Imagina! Não vamos bater em ninguém. Sou uma pessoa pacifica lembra? – perguntei.
E sim, eu era uma pessoa muito calma, muito “paz e amor”.
— Você vai deixar isso passar? Sua burra! – perguntou e já comentou, sem ao menos eu lhe dizer algo.
— Relaxa, relaxa. – falei.
Dali, fui na direção onde estava Fabiano. Ele me viu de longe, e começou a se esconder atrás dos amigos que estavam com ele. Cheguei até ele e fiz o maior griteiro:
— Como você pode fazer isso? Seu fofoqueiro! Como você pode contar pro colégio inteiro uma coisa que não é verdade?!
— Você cale a sua boca, porque você me disse isso ontem! – respondeu estupidamente.
— E eu pedi pra você não contar pra ninguém. – gritei.
— Mas eu não contei. Contei apenas para o Aury, aí a notícia se espalhou. – disse ele na maior falsidade
— Desgraçado. – resmunguei, mas ninguém ouviu.
Nossa amizade nunca mais foi a mesma depois daquele dia. Lembro que durante as aulas e intervalos, as pessoas tiravam sarro da minha cara. Me escondia no banheiro, e percebi o que era ser vitima da “fofoca”. Uma coisa fútil e ridícula, totalmente desnecessária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário