Vejo
minhas mãos que já foram menos grosseiras e marcadas. Sinto-me incompleta,
vazia, velha. Sim, tenho 23 anos e sinto-me como velha. O sol ilumina
lentamente meu quarto, seus raios atravessam pelas persianas com uma delicadeza
diferente do comum.
Sozinha.
Estou sozinha. Nunca realmente consegui imaginar como eu viveria num
apartamento sozinha, tive que me adaptar aos poucos. A quem quero enganar? A
culpa é toda minha! Eu o deixei, arrisquei toda minha felicidade por impulso.
Tentei ter uma vida espontânea, diferente, e deixei pra trás toda minha base e
chão.
Minha
vida não é necessariamente triste, vivo do jeito que sempre quis viver,
escrevendo, tirando fotos e me adaptando a mudança, mesmo assim, depois que fui
embora, escrever tornou-se pacato e chorar desnecessário:
- Bom dia! – deu um grito totalmente louco, um
tanto animado para uma manhã de segunda-feira. Mariana era minha amiga,
levava-me a festas, bares, enfim, à vida noturna. Tocava bateria numa banda,
completamente doida. As vezes eu me juntava a ela e começava a cantar, mas
isso, só depois de várias doses de whiskey.
- Bom
dia – respondi secamente, já que permanecia presa nos meus pensamentos
matinais. Com eles vou tão longe, que
perco a noção de como o tempo passa, ora no meu quarto, ora no ônibus ou
trabalho. Bebi um gole de café que estava na minha mesa.
- Como
sempre, garanto que não fez nada ontem.
Como ela
pode saber isso? Seria minha espontaneidade tão previsível?
- Na
verdade fiz muita coisa. – como se eu realmente tivesse feito, escrevi sobre
uma joaninha no jardim e dormi até demais. O café já não faz o efeito desejado.
Ela
ficou em silêncio, sabia que eu estava mentindo. Ela percebia que minha vida ia
devagar como uma lesma atravessando um campo de futebol. Preferi não comentar
nada, afinal, escrever sobre joaninhas parece um tanto infantil. Mariana
começou a descrever a noite que passou, com quem estava e pra mim pouco
importava. Eu estava tendo crises existenciais.
Normalmente
na vida de todo mundo, aqueles flashbacks aparecem do nada, trazendo
sentimentos e memórias, e naquele momento, a pior apareceu:
- Você
me ama? – eu perguntava escondida entre minhas mãos, rindo.
- Sim eu
te amo.
- Você
vai me amar pra sempre?
- Claro
que vou. E nunca vou te abandonar. – quando ele dizia isso, parecia ser
sincero, e eu acredito que era.
Outro
gole de café. Substituo lágrimas por café, remédios pra dormir e bebidas.
Ignoro completamente o que está acontecendo pra me focar no meu trabalho que
não queria fazer.
- Você
tem que esquecer seu passado. – Mariana falou alto, tentando chamar minha
atenção.
- É o
que sempre me dizem. – suspirei.
- Você
pode parar de ser tão melancólica só um pouco? Isso é chato e enjoativo.
Não
entendi se foi sério ou não. Talvez ela tivesse verdade. Só um pouco.
A
realidade é dura demais comigo. Acho que nunca consegui lidar direito com as
decepções que a vida traz, sempre me escondi atrás de uma parede imaginária que
construí ao longo dos anos. Poucos anos.
No fim
do dia resolvi fazer a coisa que ainda me deixava feliz, fotografar. Podia
estar em depressão ou extremamente eufórica, algo não podia faltar: minha
câmera.
Fotografava
o fim da tarde, em anos, pude comprar uma câmera boa o suficiente pra dar mais
detalhes ao por do sol. Fotografar não era algo relacionado ao meu trabalho,
era um hobby. Talvez se eu trabalhasse com isso, não seria tão divertido. Eu
sempre parava crianças, idosos ou adultos para tirar uma foto, os adultos não
tinham tempo, precisavam voltar pra suas casas e preparar a comida dos filhos,
limpar a casa ou passar mais um tempo fechados longe de seus escritórios. Um
tanto irônico.
Assim
como no livro: O pequeno príncipe, eu tinha medo de me tornar adulta demais,
chegar um dia que eu vivesse uma vida tão apressada que me esquecesse das
coisas que mais gosto de fazer, não acredito que seja uma escolha. Eu não
entendia quase nada daquilo.
Cachorros
passavam, pássaros voavam lentamente pelo céu, em conjunto, formando um V
grandioso no céu, indo dormir, cuidar de suas vidas, mas não tinham tanta
pressa quanto os humanos.
Voltei
pra minha casa, onde tudo ocorreu como sempre: Jantar e dormir.
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