II – Cinco meses depois
Acordo e
automaticamente olho pro relógio, são exatamente 8h da manhã. Sinto um peso
muito grande nas minhas costas, algo que machuca de certa forma:
- Arthur
sai de cima de mim.
Empurrei-o,
escapando do seu corpo que estava prendendo o meu de uma forma não muito
romântica. Nossos horários de trabalho batiam, então quando eu acordava, ele
também devia acordar:
-
Arthur, acorda. – comecei a bater de leve em suas costas.
Ouvi
apenas um gemido e ele se virou resmungando mais. Tentada, comecei a pular em
cima dele, o que aparentemente não deixa uma pessoa muito feliz de manhã:
- Puta
que pariu Alice, deixa eu dormir – resmungou, cobrindo a cabeça.
- Não
sou eu que vou perder o emprego mesmo. – deixei de lado.
Levantei
e ainda sonolenta, coloquei água para ferver e assim, fazer o café. Cafeteiras
eram para os fracos. Fiquei encostada na parede apenas olhando aquele céu azul,
o sol já estava brilhando e não havia rastros de nuvens. Seria um ótimo dia
para fotografar:
- Oi. –
disse Arthur coçando os olhos e sentando-se a mesa esperando o café estar
pronto.
- Oi. –
respondi ainda olhando pela janela do 5º andar – Hoje está um bom dia pra
fotografar. Quer ir comigo?
- Não. –
respondeu numa voz engraçada e rindo.
- Então
não vá. Eu vou sozinha mesmo.
- Tá
bom, eu vou com você. Mas você vai me dar a Olho de peixe pra tirar as fotos.
Passei o
café com ele sentado na mesa mexendo em seu celular, jogando algo relacionado a
carros ou algo assim. Assim que coloquei café na minha caneca psicodélica dos
Beatles, ele pediu sem tirar os olhos do celular:
- Serve
o café pra mim.
- O
caramba, levante e sirva você. Não sou tua empregada.
Não me
entendam mal leitores. Nas primeiras vezes num namoro, fazemos tudo pra agradar
e fazemos tudo que nossos amores pedem. Mas depois de algum tempo com a mesma
pessoa, começamos a achar que ela tem força o suficiente pra fazer sozinha:
- Ah mas
que saco, tudo eu nessa casa. Você nem pra por café pra mim. - reclamou
Ignorei
e fui me arrumar, definitivamente não éramos o casal mais animado durante a
manhã. Algo mudou nesses 5 meses, Arthur comprou um fusca vermelho, a lataria
era impecável e depois de arrumar o motor, estava em ótimas condições para um
carro velho. Não precisei mais andar de ônibus, pois ele me deixava todo dia no
trabalho com um beijo na testa e um “bom trabalho, te amo”
Assim
como citei, a monotonia continuou até que algo quebrou aquela rotina:
- Eu,
você, Vinicius e Arthur no barzinho perto da minha casa, o que você acha? –
gritou Mariana ao me ver entrando no prédio da editora.
- Claro!
Vamos! Só tenho que ver com Arthur, sabe como é, ele não gosta muito de sair.
-
Arrasta ele e vamos. Tudo por minha conta, o que você acha? – ela realmente
parecia muito animada.
Antes
que eu me esqueça, nesses cinco meses, Mariana encontrou um namorado muito
diferente e talvez até mais divertido que ela. Não no sentindo de animação,
claro. Mas ele era fotógrafo profissional, vivia disso. Entendia de todas as
lentes, poses, enfim, tudo que era necessário. Um excelente profissional e um
ótimo amigo.
O dia
passou rápido, e detalhes novamente não devem ser citados, são insignificantes
e cansariam a leitura. Depois do
trabalho, eu e Arthur fomos tirar fotos no parque que eu considerava o mais
bonito da cidade. Fotos de todas as formas foram tiradas por nós dois naquele
fim de tarde. Por mais que não soubesse, ele levava mais jeito para fotos do
que imaginava:
- Então,
Mariana nos convidou pra sair hoje. – comentei entre os cliques.
- Sair?
Não, estou cansado hoje.
- Por
favor, vai ser divertido!
- Quem
vai?
- Eu,
você, o Vinicius e a Mariana.
- Aquele
Vinicius só pode ser gay. – comentou entre risos, talvez maldosos, ou
simplesmente por deboche.
- Não é
não! Ele namora com ela, por que seria
gay? – desviamos completamente do assunto central
- O cara
leva o maior jeito, só to dizendo! – mais risadas surgiram, comecei a rir
secretamente.
- Mas
você quer ir ou não?
- Você
sabe que não gosto muito de sair. – desanimou
- Mas a
gente quase não sai, tem ficado tanto em casa...
Pensou
por alguns segundos, beijou minha testa até finalmente dizer:
- Então
vamos.
A vista
daquela praça era maravilhosa, o dia ia acabando tão sutil que quase ninguém
percebia suas belas cores mudando a cada minuto no céu. Eu sempre digo que o
nascer e o por do sol são os momentos onde o céu está mais bonito, onde as
cores dançam enquanto ninguém dá muita bola. Eu olhava tudo aquilo com os olhos
brilhando, assim como sempre fiz. Desde que nos conhecemos, tento passar para
Arthur tudo que sinto quando vejo o céu daquele jeito:
- Veja o
céu como está bonito. – falei na mesma sensação que foi descrita antes.
- Sim,
ele está. – ergueu a cabeça, prestando atenção
- Olhe
como ele tá meio rosa e azul, isso é tão incrível.
Continuou
com a cabeça erguida, acreditei que ele estava admirando como eu estava, não
sei ao certo qual era seu sentimento em relação ao céu, mas pra mim só
importava chamar a atenção dele.
Abraçou-me
e disse:
- Eu te
amo.
Apesar
de discordarmos quase em tudo, era frequente ele dizer que me amava, mas eu
gostava muito mais quando ele sorria ao dizer isso, como fez. Era raro,
incomum, por isso tornava-se algo tão especial.
- Eu
também te amo.
Fomos ao barzinho que eu e Mariana
frequentemente íamos por tédio. Morar
numa cidade grande pode ser solitário e tedioso na maior parte do tempo, então
nos encontrávamos lá desde que nos conhecemos. Sentamos perto da janela e
começamos a beber drinks misturados com
todo tipo de bebida alcoólica que se poderia imaginar. Nunca fui forte pra
bebida, então comecei a atordoar cedo.
Conversas
vinham, iam, sentíamos a música indie do lugar, pensava na iluminação e em
coisas sem sentido. Conversava com Vinicius sobre câmeras, com Arthur sobre
conspirações dos EUA e com Mariana sobre bebidas, a medida que elas vinham e
faziam efeito. Em certo momento, Mariana
disse que esqueceu algo no carro, e pediu para que eu a acompanhasse até lá.
Inocentemente,
fiz o que ela pediu. Quando chegamos ao carro, Mariana pediu para que eu
entrasse, não fazia ideia do que ela queria, até que do bolso ela tirou um
cigarro estranho:
- O que
é isso? – perguntei como se fosse uma criança de 10 anos.
- O que
você acha que é?
Não
respondi, com uma expressão de dúvida, comecei a desconfiar:
-
Consegui com um amigo meu, nunca usei e acho que você também não. O que acha?
- Não
sei, nunca usei também...
- O que
acha? Temos que experimentar de tudo na vida.
Como eu
tinha bebido demais, achei que não faria a menor diferença, então dei uma
tragada. Em pouco tempo nós duas tínhamos acabado com tudo e estávamos rindo
igual duas idiotas.
Não sei
como ninguém viu ou reclamou daquilo. Duas pessoas completamente doidas dentro
de um carro. Quando voltamos ao bar, tentamos ser normais, o que era
impossível.
Tocava
The Killers, e eu sentia cada nota em minha pele, pode não ser tão poético, mas
fazia com que eu me emocionasse e desse mais risada. Mariana, sempre mais
exagerada, ria alto e gritava ao falar:
- Você
esta bem? – sussurrou Arthur
- To
ótima. Sim. Sim. Sim – comecei a rir novamente
Sentia
meu sangue percorrer minhas veias, tudo parecia rápido e devagar ao mesmo
tempo. Meu estômago embolava, minha cabeça girava e doía ao mesmo tempo:
- Vamos
embora daqui, por favor. – pedi a Arthur
Depois
de uns minutos que pareciam eternos, entrei no carro com ele e fomos embora. No
caminho, ele parecia irritado:
- Não
foi só a bebida que te deixou assim...
- Claro
que foi Arthur, deixa de ser paranoico – eu respondia com os olhos vidrados nas
luzes dos postes que nos deixavam para trás.
- Eu te
conheço Alice, e você piorou depois que a Mariana foi buscar alguma coisa no
carro.
- Só uma
coincidência, apenas isso meu caro namorado e companheiro de apartamento.
Arthur
olhou pro lado sem saber se eu estava mal ou se estava tirando sarro da cara
dele:
- O que
você usou? – perguntou, mais irritado.
- Nada.
- Como
nada? Acha que eu sou retardado?
Comecei
a rir do nada... de novo...
Quando
estávamos perto de casa, meu estomago embolou mais e mais:
- Acho
que vou vomitar...
Arthur
olhou com uma cara de assustado, por sorte não vomitei no carro. Tive ânsia durante
todo o trajeto até nosso apartamento, quando cheguei ao banheiro, coloquei tudo
pra fora, enquanto Arthur segurava meu cabelo, ajoelhado comigo no chão:
- Agora
não diga que sou um mau namorado
Deitamos
logo em seguida que tomei um banho por causa do cheiro, ele estava frio, mudo,
e eu também não queria dizer nada. Sentia-me culpada, com um peso nas costas.
Será que depois de tantos anos, continuava sendo uma menina mimada implorando
atenção?
- Você
não devia ter feito isso, eu vou atrás da Mariana e vou xingar ela. – quebrou nosso
filme mudo
- Mas eu
fiz, ok? Como se você nunca tivesse feito antes.
- Não me
importa, eu to muito bravo com você, pra cacete! – falou cada vez mais irritado
e agressivo – você é só uma menina idiotinha, como sempre foi! Nada mudou,
continua sendo uma retardada fazendo coisas que não deve.
Chorei
como sempre, mas dessa vez, ele não amoleceu, não quis saber.
- Você
não é meu pai! – alterei minha voz – Tenho mais de 18 anos, sei o que faço da
minha vida.
- Sabe?
Usando drogas depois de encher a cara? Você sabe o que faz? Isso é ridículo!
Sabia
que a discussão ia longe, virei pro outro lado e fingi que estava tentando
dormir
- Bem
que me falaram, eu não devia ter ido atrás de você, só me traz problemas, desde
o dia que te conheci.
Fiquei
com tristeza e raiva ao mesmo tempo, fiz de tudo pra ignorar aquilo, até que
ele apagou a luz do abajur. Chorei em silêncio por mais um tempo. Será que eu
só fazia merda mesmo?
Uma hora
não aguentei mais e tive que dormir, esperando que o dia seguinte fosse melhor.